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Ensaio pra Liderar Bonito

Uma crônica sobre os desafios e delicadezas de liderar com presença, escuta e humanidade. Um ensaio diário — imperfeito, mas bonito — sobre o que realmente sustenta a gestão escolar.

Era terça-feira. Daquelas que parecem segunda. O café esfriando na xícara, a sala com cheiro de papel amassado e uma pilha de demandas que crescia mais rápido que a paciência. No meio de tudo isso, um bilhete deixado sobre a mesa: “Professora Patrícia, pode vir na minha sala rapidinho?”


Rapidinho. Como se houvesse essa possibilidade.


Respirei fundo, ajeitei os óculos e fui. E, no caminho, fui lembrando das vezes em que eu mesma escrevi bilhetes assim. Como se os outros pudessem parar o que estavam fazendo só porque eu achava urgente. Talvez não fosse maldade, era só o velho costume de confundir prioridade com pressa.


Entrei na sala. Do outro lado, uma coordenadora com olhos cansados e fala contida. Não pediu nada demais. Só queria ser ouvida. Coisa simples e difícil ao mesmo tempo. Disse que estava tentando manter a equipe unida, mas se sentia sozinha. Falou sobre as críticas veladas, os silêncios gritantes, os combinados que ninguém cumpria. E, num certo ponto, desabafou: “eu só queria liderar bonito, sabe?”


Fiquei com essa frase na cabeça o resto do dia. Liderar bonito.

E o que seria isso, afinal?


Passei a tarde entre protocolos, formulários e mensagens no celular. A palavra “bonito” aparecendo aqui e ali, feito recado do universo. E percebi que, no fundo, quase todo gestor quer isso: liderar bonito. Não no sentido estético, mas no sentido ético, humano, digno. Liderar de um jeito que faça sentido, que toque, que inspire sem machucar.

Mas, como tudo que é bonito, também exige ensaio.


Ninguém acorda pronto pra escutar o outro com paciência, pra dar feedback sem ferir, pra acolher sem se anular. É um treino. Um tropeço. Um vai e volta. Às vezes a gente erra o tom, exagera na firmeza, ou silencia quando devia ter dito algo. Mas no dia seguinte, tenta de novo. E isso também é beleza: a tentativa.


Liderar bonito é saber que a sala da direção não é trono nem trincheira. É lugar de encontro. Que planilha não sorri, mas gente sim. Que número não sente, mas professor sente, merendeira sente, estudante sente. E se a gestão não olha pra isso, perde o fio da escola.

É saber que você pode ser firme sem ser grosso, ser cuidadoso sem ser frágil, ser exemplo sem ser perfeito. É aceitar que o bonito, na maioria das vezes, não é grandioso. É detalhe. É lembrar o nome do filho da funcionária. É perguntar se o professor que está faltando tanto precisa de ajuda. É reconhecer que um bom dia pode mudar o tom da manhã inteira.


Liderar bonito também é saber recuar. Pedir desculpa. Refazer a fala. Admitir que exagerou, que não pensou, que poderia ter feito melhor. Não é se humilhar, é ser inteiro. E inteireza, no mundo da gestão, tem sido artigo raro.


No fim do dia, escrevi de volta um bilhete: "Coordenadora, ouvi você. E também tô nesse ensaio. Obrigada por me lembrar de não esquecer.” Fechei a porta da sala com a sensação de que, naquela terça com cara de segunda, eu tinha ensaiado um pouco melhor.


Talvez amanhã eu erre outra vez. Mas sigo ensaiando.


Porque liderar bonito é, acima de tudo, uma escolha diária de tentar todos os dias. E há beleza na tentativa.

 
 
 

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