O medo sentado ao lado da aprendizagem
- Profa. Dra. Patrícia Rodrigues
- 17 de abr.
- 2 min de leitura
Hoje acordei pensando na escola, nos seus movimentos, nas relações, nas emoções. Não pensei em aulas, conteúdos ou aprendizagens, mas naquilo que acontecia, não se dizia e não se ouvia. No que estava ausente.
Essa semana, li e ouvi muitas notícias tristes sobre acontecimentos dentro de escolas. Não sobre aprendizado ou sobre a falta dele, mas sobre coisas que envolvem o humano, ou também a ausência dele.
Depois de tomar café, fiz o de sempre: liguei o notebook, comecei a checar os e-mails. Um deles trazia as notícias do dia sobre educação. E foi ali que senti o gosto amargo do mundo escorrer pela boca quando li que a violência interpessoal nas escolas havia crescido mais de 250% entre 2013 e 2023. A pesquisa, realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e publicada pela Revista da Fapesp, não era "apenas" (que já é muito) um dado. Era um grito.
Fiquei olhando a tela como quem esperava outra explicação. Mas não veio. Só o silêncio. Paralisada. Tentando entender como foi que chegamos a esse lugar onde o medo se senta ao lado da aprendizagem, onde o silêncio grita mais alto que a escuta, onde a escola, tantas vezes, deixa de ser abrigo.
Olhei para a pilha de livros ao lado e vi Rubem Alves, Educação dos Sentidos. Já lido e relido muitas vezes. Comecei a folhear, procurando uma leitura que trouxesse alívio para aquele silêncio apertado. Parecia que uma parte de mim tinha encolhido um pouco por dentro. Então vi uma frase grifada por mim em outro dia: “A escuta bonita é um bom colo para uma criança se assentar”.
Escuta bonita. Escutatória.
Lembrei que falei um pouco sobre isso no meu último livro e daquela sabedoria antiga que diz que temos dois ouvidos e uma só boca. Talvez o corpo tenha vindo ao mundo tentando nos ensinar algo sobre a escuta. A gente é que se esqueceu.
E como lembrar? Talvez ouvir seja também exercício. Seja parar. E o mundo anda acelerado demais. As cobranças estão vindo cada vez mais rápido. E mais intensas. Acelerados. Ansiosos.
Dá pra ouvir com essa ansiedade? Ouvir com pressa ainda é ouvir? Será que estamos, em algum nível, tentando praticar? Ou só fingimos que escutamos?
Voltei a pensar nas pessoas da escola de hoje. Nas pessoas das escolas da pesquisa. Será que estavam sendo ouvidas? Será que eu, professora, tinha ouvido meus alunos? Como gestora, tinha ouvido minha equipe? Como parte de uma sociedade que grita o tempo todo, tinha ouvido? Tinha ouvido seus silêncios?
Estou ouvindo agora?
Estamos ouvindo agora?
Voltei a pensar na escuta bonita. Queria escutar bonito, sim. Aí lembrei que escutar bonito também dói. Quebrar o ritmo instalado. Custe o que custar. Talvez, antes, eu precisasse de um curativo antes. Só não sabia se havia tempo. E se eu conseguisse aguentar essa dor? Pensei em tentar. Tentar aguentar a dor da escuta.
Desacelerar. Calar. Escutar. Acolher. Ser colo. Ouvir.
Ser silêncio. Presença. Quantos silêncios deixamos passar todos os dias?
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