top of page
Buscar

"Você já pensou em se aposentar?" — Quando a escola também exclui

  • Foto do escritor: Profa. Dra. Patrícia Rodrigues
    Profa. Dra. Patrícia Rodrigues
  • 9 de abr.
  • 3 min de leitura

Uma história real que revela o quanto ainda existe julgamento disfarçado de sinceridade dentro das escolas. Quando rir do outro se torna comum, algo importante se perde: o humano. Esse texto é um convite à reflexão sobre etarismo, exclusão simbólica e o papel da liderança que escolhe permanecer.


Imagem gerada por IA.
Imagem gerada por IA.

Riram dela.


E não foi aquele riso leve, quase cúmplice, que às vezes escapa em momentos de descontração. Foi um riso seco, debochado, daqueles que carregam julgamento. Veio acompanhado de palavras que ainda ecoam: ultrapassada, velha, está na hora de se aposentar. O que mais doeu, no entanto, não foi o conteúdo das palavras, mas o lugar de onde elas vieram. Não foi da rua, de um estranho, de alguém que mal a conhecia. Foi de dentro da escola. De colegas. De pessoas que compartilham o mesmo ambiente, os mesmos desafios, e que deveriam, no mínimo, compreender o peso de um olhar, a potência de um gesto, a delicadeza de uma fala.


Onde está o humano quando rimos da dor do outro?

Ela não esperava aplausos, nem reverência. Só queria continuar fazendo o que sempre fez com dedicação. Queria seguir contribuindo, liderando com coração, colocando sua experiência a serviço de algo maior. Sempre acreditou que o tempo vivido, longe de ser um limite, era o que lhe dava clareza, paciência, sensibilidade. Mas foi isso que lhe jogaram no rosto como se fosse falha: o tempo.


Chorou escondida, como tantos fazem. Não por fraqueza, mas porque há dores que a gente só consegue sentir em silêncio. Só que, mesmo enquanto chorava, havia algo dentro dela que não cedia. Uma parte firme, quase teimosa, que dizia: ainda há vida aqui. Ainda há o que dizer, o que oferecer, o que transformar. A experiência que carrego não é peso, é raiz. É chão.


O que aconteceu com ela não foi um caso isolado. Foi mais um retrato do que se repete em muitas escolas por aí: o etarismo travestido de modernidade. A violência simbólica escondida atrás de “sinceridade”. A falsa ideia de que inovação é sinônimo de juventude, agilidade, aceleração. Quantas vezes falamos de empatia, mas somos incapazes de praticá-la dentro da própria equipe? Quantas vezes clamamos por humanização da gestão, mas excluímos quem pensa ou age diferente, ou, simplesmente, tem mais tempo de estrada?


Não é raro ver discursos bonitos sobre escuta, respeito e inclusão. Mas basta observar de perto para perceber o quanto ainda é difícil incluir quem não performa como esperamos. Fala-se de afeto, mas se esquece de acolher. Fala-se de vínculos, mas se constrange quem já não se encaixa em um modelo idealizado de liderança. A escola, que deveria ser espaço de pertencimento, tantas vezes se torna território de exclusões silenciosas. Rir da dor do outro, por mais disfarçado que seja, é desumanizar.


Ela não respondeu no momento. Engoliu o choro, reorganizou a agenda, seguiu o dia. Mas algo mudou por dentro. Não desistiu, não se calou. Entendeu que seu tempo não é determinado pelo olhar do outro. E que, se alguém precisava sair de cena, não era ela, mas esse modelo de liderança que insiste em medir valor com base em aparência, ritmo e padrão.


É fácil falar em transformação. Difícil é sustentar vínculos reais. Difícil é humanizar na prática. Difícil é perceber que o humano, às vezes, se perde nas entrelinhas do que se diz — e do que se cala. Por isso, ela escolheu continuar. Não por teimosia, mas por compromisso. Porque sabe que liderança de verdade não se impõe, se constrói.


Com presença, com escuta, com respeito. E, principalmente, com humanidade.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Siga no Instagram

bottom of page